domingo, 1 de novembro de 2009

Tiradentes. Peculiaridades da República: A mitificação de um herói que não passou de um bode expiatório

O principal objetivo do texto a seguir é o de procurar explanar a situação colonial brasileira na época em que ocorreu a inconfidência mineira. Mais que sua inserção no contexto histórico da época, procurará mostrar um pouco de seus precedentes desde a crise no sistema colonial até a formação da república brasileira e a construção do mito de Tiradentes.

Para isto, é preciso recordar o regime absolutista em meados do século XVIII (Boris Fausto, 1995). Foi quando surgiram os primeiros pensadores liberais como: Montesquieu, Voltaire, Diderot e Rousseau. Seus pensamentos embora diferentes, tinham no princípio da razão um ponto em comum. Seus ideais acabariam atingindo profundamente a toda população mundial, e suas divergências com o sistema vigente colocou em risco toda estrutura feudal, que veio a ruir com a revolução francesa em 1789 e a revolução industrial inglesa nesse mesmo período. É evidente que não foram somente as duas revoluções que acabaram com o antigo regime, existiu todo um processo de desgaste em volta do sistema e que neste contexto não convém ser abordado.

Sendo mais específico, tratarei sobre a questão da metrópole, Portugal. Boris fausto (1995) analisa o país como uma nação atrasada e totalmente dependente da Inglaterra contra seus inimigos Espanha e França. Em 1750, D. José I é elevado ao reinado de Portugal, porém o personagem mais importante foi seu ministro: O marquês de Pombal. Este pegou o país em cacos, com uma economia falida e dependente do dinheiro externo, com uma capital totalmente destruída em 1755 por um terremoto, com um terço das terras do país em nome da igreja (Dom Luís da Cunha, 1976), uma população diminuta, dentre outras situações graves. Tentou reavivar o comércio, com a criação das companhias de comércio no norte e nordeste do Brasil, incentivou a instalação de manufaturas. Confiscou os bens e expulsou os jesuítas do país. Estas sangrias e possíveis soluções já teriam sido anunciadas por D. Luís da Cunha (1976) no reinado anterior a D. José I (o de D. João V), que talvez tivesse oferecido seu aparato ideológico a Pombal, que as pôs em prática assim que se tornou ministro. Com o fim do reinado de D. José, também chegou ao fim a era Pombal, e quem assume o trono é D. Maria I. Os feitos de Pombal foram anulados, a rainha ficou conhecida como “viradeira” (1995, p.112) justamente por ter anulado quase todas as ações políticas de Pombal, como por exemplo a proibição à instalação de manufaturas na colônia.

E é justamente no período de reinado de Dona Maria I que se situa o marco principal do texto: analisar a inconfidência mineira; uma revolução que nem chegou a acontecer, não derramou sangue algum e mesmo assim virou o maior símbolo de resistência contra a metrópole. A começar pelo nome “inconfidência”. Muita gente principalmente depois da instauração da república até os dias atuais se enche de orgulho ao falar da inconfidência e dos inconfidentes. Este termo foi usado pela coroa para qualificar aqueles que tramaram contra ela, que a traíram com o objetivo da independência (das capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro); portanto um termo pejorativo. Aliás o projeto de independência englobava a princípio apenas as três principais capitanias da colônia (movimento portanto regional e não nacional), apesar de no futuro, depois do estabelecimento da independência se estender a todo país. O comandante nos primeiros três anos seria o magistrado e poeta Tomás Antônio Gonzaga e a capital São João Del Rei, próxima à cidade sede da conjura, Vila Rica.

O descontentamento com a coroa era crescente, dentre os inconfidentes muitos foram prejudicados principalmente pelo quinto do ouro (imposto cobrado para quem não atingisse a meta de coleta do ouro estabelecida pela metrópole) e a política de exploração da metrópole, pois destes a maior parte fazia parte da elite colonial. Uma exceção era Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que fazia carreira militar no posto de alferes e “nas horas vagas exercia o ofício de dentista” (1995, p.115). Segundo Boris Fausto Portugal pressionava cada vez mais, seu representante em terras mineiras, Visconde de Barbacena instaurou a derrama (mais um imposto que abrangia todos os habitantes da colônia) e ainda recebeu a incumbência de investigar todos que deviam para a coroa (Os maiores devedores faziam parte da elite). Tiradentes se viu contrariado quando perdeu seu posto de comandante do destacamento dos dragões.

Até então ninguém atrevia a se rebelar contra a coroa, e a elite descontente buscou inspiração em outras revoluções ocorridas pelo mundo afora, principalmente a independência dos Estados Unidos em 1776 e a revolução francesa de 1789, através da experiência vivida por seus membros em países europeus. Em finais de 1788, os inconfidentes começaram a se preparar para o movimento até que um dos seus, Joaquim Silvério dos Reis denunciou seus até então companheiros. Cada membro teve sua prisão decretada e sua sentença anunciada: a pena de morte. A população, horrorizada acompanhava todo processo; estava indignada e ao mesmo tempo com medo da repressão e do que iria acontecer com os onze condenados.

Sentindo que tinha cumprido seu dever – o de intimidar toda a população - a coroa decide abrandar as penas: os conjurados seriam exilados e apenas a pena de Tiradentes foi mantida. Em 21 de abril de 1792 se deu sua execução. O espetáculo da forca, que muitos apenas ouviram falar estava diante de seus olhos. Todos assistiram seu enforcamento, seguido do esquartejamento e a exposição de sua cabeça na praça principal de Vila Rica. Aí se iniciava a construção do maior mito da república brasileira.

Depois da execução de Tiradentes, Silvério dos Reis (que assim como boa parte dos inconfidentes também devera à coroa e o perdão de suas dívidas se deu com sua inconfidência aos inconfidentes como relata José Murilo de Carvalho em sua obra, A formação das almas : O imaginário da república do Brasil (1990) no capítulo que se refere à inconfidência), ficou marcado pela traição, indo morar em vários lugares e sendo hostilizado em todos por onde passou; até mesmo no Maranhão era insultado.

Logo de cara, é evidente que não se poderia fazer nada a fim de engrandecer a figura de Tiradentes até porque os dois imperadores do Brasil eram descendentes da rainha que o condenou. Nesta época ele era apenas um futuro mártir.

No advento da república, passou a se procurar uma figura que valorizasse tal ato, uma figura que significasse bravura, carisma que fosse popular. A temporada de caça ao herói foi aberta. Cogitou – se Deodoro da Fonseca, porém este ainda mantinha suspeitas quanto sua relação com a monarquia, além de ser uma figura militar e não muito popular. Os positivistas indicaram Benjamin Constant, “mas o problema era que ele não tinha cara de herói” (1990, p.56). Outro candidato era Floriano Peixoto, por uns aclamados pela atuação na revolta armada do Rio de Janeiro e na revolta federalista, por outros chamado de déspota. Não servia. Por eliminação chegou-se ao nome de Tiradentes. Digo por eliminação, pelo fato de ninguém do movimento do 15 de novembro ter todos esses atributos, sendo então escolhida uma pessoa que até então se tinha muito pouco documentado.

Após a morte de Tiradentes, a inconfidência era um tema evitado pela coroa, pois a independência do país fora declarada pelo neto de D. Maria I. Na literatura, começam a aparecer as primeiras referências ao herói com As liras de Gonzaga em 1848 (56 anos depois); Castro Alves em sua peça Gonzaga ou a revolução de Minas seria um dos primeiros autores a associar a figura do Mártir à de Jesus Cristo.

Dada a iniciativa, a criatividade foi além; Luís Gama, um abolicionista e republicano (1990), comparou a forca à cruz de Cristo, Rio de Janeiro à Jerusalém, o calvário ao Rocio (Local da forca) (1990) e cada vez mais a figura de Tiradentes, até então sem um rosto ganhou as feições de Cristo. Ultrapassando a aparência física, os atos também foram lembrados, como a falta de resistência à condenação, o beijo nos pés do carrasco simbolizando o perdão, e a morte pelo ideal da independência.

Durante o reinado de D. Maria I e posteriormente do regente D. João, outras revoltas foram surgindo e com elas outros mártires como Frei Caneca na Revolução de 1817 em Pernambuco, ou Bento Gonçalves na Revolução Farroupilha. O gaúcho perde pelo regionalismo de seu levante; já o pernambucano Frei Caneca por sua região se localizar em local afastado do grande eixo da colônia. Outra explicação seria a resistência oferecida à coroa e sua rebeldia; lembrando que Tiradentes morreu como vítima e não como rebelde.

Um outro atributo além de todos já apresentados, seria a identificação de Tiradentes com as três principais aspirações dos brasileiros enquanto colônia: A independência, o abolicionismo e a república.

José Murilo de Carvalho finaliza seu texto dizendo que Tiradentes só sobrevive até hoje, por “sua resistência aos continuados esforços de esquartejamento de sua memória” (1990, p.73)

Já este texto, termino explicando o seu título. A peculiaridade se dá a partir do momento da construção de um herói que não lutou e não resistiu, sua revolução sequer aconteceu. O que aconteceu foi a tentativa de apagar da memória dos brasileiros a época em que o Brasil era subordinado português, expondo apenas uma das inúmeras atrocidades lusas em territórios brasileiros, tentando assim firmar o regime que acabara de nascer: o republicanismo. Por sinal deu certo. Já a dúvida sobre a mitificação do herói não existe. Ele está lá e todos sabemos disso. O que não sabemos, ou pelo menos eu, é se foi mesmo Tiradentes o principal líder desse movimento, se ele realmente pegou a culpa para si enfrentando todas as conseqüências depois, ou se ele apenas entrou de gaiato na história e foi morto apenas para se mostrar que, quem mandava nesta terra era a rainha insana e quem ousasse duvidar acabaria como o mártir.

Outra certeza, é de que todo esse teatro lusitano teve efeito contrário: ao invés de meter medo causou comoção nas pessoas, não só nas mineiras, cariocas ou paulistas e sim nas de outras capitanias, demonstrando um dos primeiros sinais de nacionalismo; não que inconfidência mineira em sua essência tenha sido um movimento nacionalista, mas o que ela desencadeou foi um sentimento, um sentimento do que hoje podemos chamar de identidade brasileira.

Referências Bibliográficas:

CUNHA, D. Luís. Testamento político – Biblioteca de ciências sociais, série 2ª, vol.1, direção de Reynaldo X.C. Pessoa, Maria de Lourdes Janotti e José S. Witter - São Paulo; Alfa – Omega, 1976.

FAUSTO, Boris. História do Brasil – 2ª ed. São Paulo: Fundação do desenvolvimento da educação, 1995.

CARVALHO, José Murilo de. “Tiradentes: um herói para a república” In: A formação das almas: o imaginário da república do Brasil – São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Prof. João Vinícius Carvalho Guimarães

3 comentários:

  1. o texto ainda está preso ao senso comum e foi elaborado numa linguagem pouco acadêmica, em alguns momentos.

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  2. Tiradentes não era nada parecido com Cristo como nas imagens consgradas pela elite republicana. Na verdade o cara era careca!
    Gostei do texto.

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