sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Felicidade na obra de Santo Agostinho



Para abordar as virtudes da alma é preciso lembrar que, para Agostinho, o indivíduo não é um ser formado à medida que vai conhecendo o mundo. O homem no mundo é como se tivesse sua alma fragmentada, está no meio de um oceano e, através da Filosofia e da fé em Deus, esta alma vai se nutrindo, vai adquirindo a frugalidade. Agora, o importante é saber de que forma se constitui o homem virtuoso, ou seja, qual é o caminho para a felicidade? Santo Agostinho vai tentar responder esta questão na obra A Vida Feliz.
Em A Vida Feliz, Santo Agostinho utiliza uma metáfora interessante antes de iniciar o diálogo na fazenda. Quando ele compara os homens com navegantes e o mundo com um oceano, ele mostra o quão sinuosa é a vida e por mais que os indivíduos tentem controlar a si e aos outros, a vida cotidiana é incontrolável, os ventos estão sempre mudando e podem ocorrer tempestades. Ao mesmo tempo, o pensador mostra que o único caminho para descer em terra firme é através de Deus, este sim tem o controle de tudo. Portanto a inteligência da fé é fundamental neste processo. É claro que o caminho para a terra firme é aportar na Filosofia.
No entanto, tenho de destacar aqui a importância do “inteligir a verdade, o ler dentro”, que o navegante tem de alcançar, quando ainda está em alto mar. Neste momento, um parêntesis para mostrar uma relação da filosofia de Agostinho com a Fenomenologia, este pensador medieval aborda a importância de, muitas vezes, em meio a uma tempestade voltar a si mesmo, realizando um juízo do fenômeno e de si (epoché) para ver a verdade do fato, ou daquela situação. Além disso, a metáfora dos navegantes, mostra que o orgulho é realmente destruidor, através de um rochedo, o homem pode pensar estar em terra firme, sem nunca ter de fato pisado em terra. Esta é a ilusão que pode envolver o homem quando ele está em busca de conhecimento, portanto é preciso ter humildade para não cair nestas armadilhas do rochedo. A Filosofia, ou melhor, o porto é a busca pela verdade. No entanto, este porto não é a terra firme, é preciso mais do que isso, tem de ter fé em Deus para chegar na terra que, para este pensador é também o próprio Deus.

Por todo este processo em busca da felicidade, o homem precisa se nutrir, tanto o corpo quanto a alma. Sem contar que o alimento desta alma, seja ele salutar ou funesto, vai interferir, mais à frente, na sua felicidade ou infelicidade. Assim como o corpo que pode adquirir uma robustez ingerindo certos alimentos, quanto ser carcomido na ingestão de um alimento estragado. Portanto, ser feliz não deixa de ser um problema, pois o homem precisa passar por diversas situações, como ventos fortes e tempestades para alcança-lo, é preciso saber qual alimento leva a frugalidade ou temperança e qual pode direcioná-lo ao nada ou vazio. Para distinguir alimento bom ou ruim para a alma, pode-se utilizar o critério da imutabilidade, a virtude é uma condição que não sofre alteração. Esta é a relação utilizada pelo filósofo para mostrar que acreditar em Deus é realmente o caminho para a felicidade, na verdade é mais, é a própria felicidade. Pois ao final do colóquio do terceiro dia na fazenda. O filósofo diz que é através de Deus que o homem é guiado até a verdade (o Pai), também é por ele que se goza a verdade (o Filho) e que o indivíduo está unido a Suma Medida (o Espírito Santo). Estas três figuras que representam Deus podem libertar as almas. (A Vida Feliz, 156 e 157).
Outra situação que se destaca na obra A vida feliz de Santo Agostinho é o uso da dialética. Platão foi quem trouxe este método para a filosofia através dos seus diálogos, onde o filósofo utiliza diversos personagens para desmistificar os conceitos da época, ou seja, ele começa trazendo alguns estereótipos para, de fato, chegar a essência do problema. Em A vida feliz Agostinho faz a mesma coisa. Nesta obra ele fica recluso por três dias em uma fazenda com a mãe, familiares e amigos, para discutir sobre um caminho até chegar a felicidade. Acredito que Agostinho utiliza uma dialética mais sofisticada, ou seja, traz o próprio método de Platão para a atualidade. Portanto, recomendo esta obra, que não se restringe a religião e sim, sobre a própria condição da vida humana, a busca pela felicidade.

A complexidade de Deus
“Quem vos parece que possui a Deus?” (A Vida Feliz, p 137). Num primeiro momento parece uma pergunta que vai ter, inevitavelmente, uma resposta arrogante, pois possuir a Deus seria alcançar uma felicidade imutável. No entanto, o que Agostinho faz neste capítulo é um processo de desconstrução de tal verdade para se chegar a outra. A grande sacada deste filósofo é mostrar que a busca e o encontrar Deus é o que realmente trazem a felicidade.
Santo Agostinho teve uma grande influência do neoplatonismo, principalmente de Cícero, ao mesmo tempo ele se diferenciou bem desta escola filosófica. Para os gregos, atingia a felicidade aquele ser provido de sabedoria, já para o pensador medieval tal fato só é alcançável através de Deus, um ser imutável e independente, ou seja, sua co-existência independe do outro, pelo contrário, vêm de dentro do indivíduo, da sua fé. O conhecimento, a sabedoria que para os gregos era a própria felicidade, aqui é só um caminho em meio a tempestade para se chegar a Filosofia (o porto) e posteriormente, a terra firma da felicidade (Deus). No início do seu Diálogo sobre a Felicidade, Agostinho mostra porque acreditar em Deus, afirmando que “fomos lançados para este mundo (…) assunto este, decerto, muito obscuro cujo esclarecimento, no entanto, tomaste a teu cargo – quantos saberiam para que local se dirigir ou por onde regressar, a não ser que, um dia, alguma tempestade, considerada pelos ignorantes como algo adverso, contra a nossa vontade e resistência, nos impelisse violentamente, viajantes ignorantes e errantes, para a mais desejada terra” (p.21). Antes de abordar a posse ou busca de Deus, o filósofo aponta o porquê desse Deus, ou seja, como o homem lançado num mundo totalmente desconhecido, cheio de surpresas e perigos, sem saber para qual direção tomar e muitas vezes se comportando como um verdadeiro néscio pode chegar a felicidade? Ora, isso só é possível se o homem possuir a Deus. Em meio a tantas adversidades é quase impossível chegar a felicidade plena, senão através de Deus para chegar Nele mesmo.

A essência dos diálogos
Como foi dito mais acima, esta posse de Deus colocada por Agostinho no diálogo com seus familiares e amigos, tem um propósito de desconstrução. Este processo tem início quando são colocadas as três opiniões sobre quem possui Deus. “Uns estimaram que possui Deus quem faz o que Deus quer. Outros opinaram que o possui quem vive bem. Os demais afirmaram Deus estar presente naqueles em quem não reside o espírito denominado impuro” (A Vida Feliz, p 137-138). Depois destas afirmações, o filósofo vai mostrar que as três definições na verdade são uma. Quem faz o que Deus quer vive bem e, para não ter um espírito impuro, é preciso ser casto, ou seja, tem de viver bem. O mais importante não é possuir Deus, mas ter um Deus propício, ou seja, que não dá as costas para quem o está procurando. No entanto, de nada adianta procura-lo e não encontra-lo. O Deus tem de estar alcançável, mas tal vontade e benevolência têm de partir do indivíduo. A grande sacada de Agostinho foi mesmo de assimilar a felicidade com Deus, um ser que está acima de todos os outros, portanto, é incontestável junto aos seus crentes. Sem contar que suas relações também são pertinentes aos céticos, por exemplo, para ser feliz, um indivíduo não precisa acreditar em Deus, basta viver bem, pois Agostinho conseguiu relacionar isso.

Por Thiago Quinteiro:  jornalista, estudante de filosofia pela UFLA e apresentador do programa Ponto de Vista, pela TV Poços.

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